
Quando era mais pequeno, achava que o meu futuro ia passar por números e negócios. Imaginava-me um tipo de negócios, de fato e gravata, a ir a reuniões, a ter carros e a viajar para abrir e fechar mais negócios. Puro engano. Demorei a perceber o quanto estava errado no caminho escolhido. Depois dos 16/17 anos, a cabeça começou a perceber melhor para o que estava talhada. Tarde demais até...mas a tempo de recuperar, virar no cruzamento seguinte para onde não estava previsto e seguir traquilamente até novos destinos. E esse caminho trouxe-me até aqui. Às letras. Mas houve um momento absolutamente decisivo na 'viagem', que fez despertar tudo o que andava escondido: o momento em que li o livro "Aparição", de Vergílio Ferreira. Quando o personagem principal Albero Soares, decide reflectir sobre a sua vida e diz 'sento-me nesta cadeira vazia e relembro', nasceu o meu novo sonho da altura. O sonho e a ilusão de ser...escritor. Estamos a falar de 1997/98, tempos onde ser escritor era algo quase lunático. Mas o que é certo é que a partir daí, aquela frase mudou a minha vida. A discussão do livro, em redor da procura da sua pessoa e da sua 'apareição' fez-me pensar no que queria para mim. E não era aquilo que eu fazia e estudava que queria para mim. E aí questionei tudo, despertei para o mundo e decidi que ser escritor era o meu sonho. E ali parado em 1998, vi-me alguns anos depois numa casa cheia de livros, sozinho, com uma secretária onde teria o meu computador e onde escreveria periodicamente os meus livros. Nesta altura já tinha lido aquele que é o meu livro preferido de sempre e que pertence ao Saramago com 'O ano da morte de Ricardo Reis'. O que me fez ainda mais ambicioso. Queria escrever obras daquele calibre, coias que fizessem pensar, pausar a existência e questionar tudo em redor...era esse o meu sonho. Viver com coisas simples, mas dar aos outros através de livros, contos, romances, experiências e vivências que só experimentassem ali como eu experimentei. Mas...passados todos estes anos, tudo mudou. Não há casa cheia de livros com pc na secretária, não há nada do que foi sonhado...não muito por minha culpa mas acima de tudo da sociedade. Sociedade que permitiu que qualquer um escreva um livro, que tenha facilidades para isso. E culpa da mesma sociedade que idolatra a leitura simples, light, colocando de parte a fineza do drama, da ironia, do romance puro e duro. Das questões que a vida nos coloca e que recusamos pensar porque podemos acabar mal se percebermos o que de errado fazemos. Daí as pessoas estarem afastadas dos livros e os escritores serem o que são hoje em dia...Já não há Saramagos, Torgas, Vergílios, Cesarinys. Já não há...nem vai voltar a haver...porque a vida, a sociedade matou os escritores à antiga. Aqueles que eu idolatro e que queria ser como...A minha 'aparição', ou seja, a revelação instantânea de mim a mim próprio, já não faz sentido agora. Porque se cumprisse agora o meu sonho seria apenas mais um entre muitos, seria mais um esquecido numa qualquer prateleira da FNAC, sendo vendido ao lado dos livros do Jamie Oliver ou da Rebelo Pinto...Eu queria ser algo mais. Se há algo em que fui ambicioso na vida, foi neste sonho desfeito. Eu queria ser bom. Eu queria ser receonhecido, lembrado, olhado como alguém que escreveu o livro 'x', que muita fez mexer com muita gente...Queria viver de fora, ver o que se passava na vida e depois pegar na caneta e transportar para o papel e construir vida num livro. Mas não o fiz nem farei. O tempo passou, eu passei ao lado do tempo e a sociedade queimou-me essa oportunidade. De qualquer forma, continuo um apaixonado pela escrita, por frases, por dar novos sentidos a letras de músicas, por criar letras, poemas. Não morri para isso. Ser escritor, para mim, implica ser triste, um bocado decadente e bastante sofredor. Viver até à margem de muita coisa e entregar-se às letras de uma futura história que será mais um produto de várias noites acordado...
É com pena que me sento nesta cadeira vazia e relembro...que o meu sonho morreu...